Michael Moore II
O DJ Carcaça foge à sua habitual clarividência para, aqui abaixo, fazer um elogio ao Michael Moore. Ora, eu também acho piada ao homem. Ele é um tipo divertido e os filmes dele são engraçados (os livros nem por isso).
O problema é que o Michael Moore não pode ser levado demasiado a sério. Ele tem uma agenda política, e no topo dessa agenda política está a defesa dos interesses da sua causa favorita: a máxima divulgação e suprema glória de Michael Moore.
O homem tem talento como cineasta, mas não tanto como documentarista. Ele toma demasiadas liberdades com a verdade. O “Stupid White Men” está cheio de meias-verdades, opiniões apresentadas como factos e puras mentiras. Mas o livro é chato e não tenho pachorra para pegar nele outra vez e enumerar os disparates.
Por sorte, eu tinha uma lista dessa preparada sobre o “Bowling for Columbine”. Para quem não viu, o filme é uma dissertação sobre a cultura das armas nos EUA inspirada pelos crimes de Columbine. Está bem feito, e é muito impressionante. Mas também está cheio de pequenas e grandes desonestidades. Por exemplo:
—uma cena mostra uma fábrica da Lockheed Martin, descrita como unidade de produção de armas de destruição maciça. A fábrica produz motores de foguetões para o lançamento de satélites comerciais.
—outra cena mostra o célebre discurso do Charlton Heston (presidente da NRA, o lobby pró-armas da América) em que ele diz que só lhe arrancam a espingarda “from my cold dead hands!”, e sugere que ele foi proferido em Denver uma semana depois dos crimes de Columbine. O discurso foi feito um ano antes, na Carolina do Norte (Denver fica a poucos quilómetros de Columbine, a Carolina do Norte é do outro lado do país).
—ao longo do filme são apresentadas várias estatísticas sobre homicídios e crimes com armas de fogo nos EUA e em outros países industrializados; nem era preciso alterá-las (elas são suficientemente impressionantes), mas mesmo assim estão quase todas erradas.
—numa das cenas, o Moore diz que os EUA ofereceram 245 milhões de dólares ao regime taliban do Afeganistão entre 2000 e 2001 (sugerindo que foi o Governo americano a financiar o 11 de Setembro); esse dinheiro, usado em ajuda humanitária contra a fome no Afeganistão, não veio do Governo americano mas de agências da ONU e de ONG americanas.
Há mais, mas isto já vai muito comprido. Enquanto lia o “Stupid White Men” dei com muito mais destas “distracções”; quem tiver pachorra que vá atrás delas. De resto, o que eu achei mais irritante no “Bowling for Columbine” foi o tom demagogo do Moore.
Há uma cena no filme em que ele faz uma entrevista ao Charlton Heston, berra-lhe perguntas agressivas e persegue-o pela própria casa dele a tentar enfiar-lhe na cara a foto de uma rapariga morta num crime com armas de fogo. Sim, o Charlton Heston não é flor que se cheire; mas já na altura em que o filme foi feito o homem era um velhote claramente incapacitado, que sofria de Alzheimer’s. Não é coragem nenhuma intimidá-lo.
Da mesma maneira que não é coragem nenhuma usar os óscares para fazer um discurso anti-Bush. O Moore não corria riscos — não foi preso, não mandaram capangas para lhe partir os joelhos, nem sequer correu o risco de banirem os filmes dele. Em vez disso, fazer escandaleira nos óscares serviu ao Moore para pôr os seus dois livros na lista de “best-sellers” e chamar atenção ao filme.
E, claro, serviu para que o resto do mundo ficasse a pensar que o Moore é uma voz contestatária no meio do consenso, tantas vezes forçado, que domina a opinião pública norte americana em relação a certos assuntos.
Isso do consenso tantas vezes forçado é uma treta. Na América não há consenso sobre nada. Então sobre política muito menos. Os europeus adoram ouvir falar sobre Os interesses obscuros da plutocracia instalada na América, e por isso é que dão tanta atenção a patetas como o Chomsky ou o Moore.
Ora, quando um gajo critica o Michael Moore, cai-lhe logo em cima a intelectualidade bloquisteira de esquerda a uivar “imperialista! Esbirro do bushismo!”. Mas é possível criticar o Bush sem ser desonesto como o Moore. Têm aqui uma série de nomes de críticos sérios do Bush e respectivos livros:
Molly Ivins, “Bushwacked”.
Al Franken, “Lies and the lying liars that tell them”.
Paul Krugman, “The Great Unravelling”.
Estas pessoas detestam o Bush tanto como o Moore. Mas argumentam melhor, escrevem livros mais interessantes, e não têm uma relação tão difícil com a verdade como ele.
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