As olimpíadas da bufa
Eram tardes bem passadas, naquele apartamento que os oito tínhamos alugado na Rua do Brasil. A mesa da sala era perfeita para umas partidas de pingue-pongue. Bastava pôr uns rolos de papel higiénico alinhados no meio a fazer de rede e tínhamos diversão garantida e algum exercício físico para descomprimir da vida dura e agitada de estudante universitário na Coimbra dos anos 90. Mas o auge da galhofa era quando o Marco vinha com o isqueiro.
A ideia nasceu depois de termos assistido a um documentário na televisão sobre o aproveitamento do gás metano - aquele produzido pelos intestinos e fezes dos animais - como fonte de energia alternativa. O facto é que se trata de um gás inflamável, que pode substituir outro tipo de combustível na indústria, mas também pode gerar momentos da mais incontinente diversão.
Cada um de nós, na sua vez, deitava-se de barriga para cima no sofá, pernas na posição "freguesa-de-ginecologista", lança-chamas apontado ao "anel de couro" (com cuidado para não queimar as calças), apagávamos a luz... e era como se o fogo convertesse o metano em gás hilariante. Os puns transformavam-se em pequenas flamas. Ninguém conseguia conter as risadas... nem os peidos.
Até que resolvemos organizar os Campeonatos Locais de piroflato (foi assim que escolhemos designar a modalidade), convidando malta de todo o prédio e oferecendo como prémio para a maior labareda uma feijoada que acabávamos todos por comer, em ambiente de festa. No meio da celebração, costumávamos discutir o papel socializante do piroflato e as suas virtudes ambientais, uma vez que depois de queimados, os flatos não tinham cheiro. Também debatíamos questões estético-filosóficas deste fenómeno, que não deixava de ser a materialização do pum numa coisa visível, a prova de que o peido tinha forma. Mas preocupava-nos sobretudo o futuro deste desporto e surgiram ideias para a criação de uma federação nacional. Havia mesmo quem defendesse a elevação do piroflato a modalidade olímpica.
Dessas tardes de tertúlia peidorreira, guardo a lembrança das exibições do virtuoso Fidalgo, o nosso grande campeão, que impediu que o título alguma vez saísse de casa. Dotado de um aparelho intestinal capaz de produzir chamas do tamanho de bolas de futebol, Fidalgo era o mais extraordinário dos executantes, uma espécie de Pelé do pum. Também me lembro de uma vizinha, a quem todos passaram a chamar Fornalha, e que tinha um talento natural para a coisa.
Uma pena que, apesar de ser talvez o desporto mais democrático do mundo, muito graças ao baixo custo do equipamento (basta um isqueiro), o piroflato, ao contrário do que esperávamos, não se tenha alastrado como gás. É triste ver o povo pela rua a desperdiçar talento, largando bufas à toa, sem as queimar. O mundo perdeu certamente grandes espectáculos. Mas, enfim, estou-me a cagar!
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