sexta-feira, maio 12, 2006

"Vamos embora Marrazes que ainda há esperança"

As lendas nascem de uma forma difusa e estranha. Por isso é que se tratam de lendas e mitos que depois perpassam nos séculos, ficando como memória de um tempo antigo e longíquo?
Vem isto a propósito de uma frase célebre que ainda permanece como símbolo de resistência última perante os invasores e a opressão. O Núcleo sabe que o próprio Gabo chegou a pensar concluir o seu livro "Ninguém escreve ao Coronel" com essa expressão sibilina que nasceu a poucos metros do Tromba Rija e da Matilde Noca.

Nos idos de 70, o União de Leiria, hoje vetusto clube da primeira liderado pelo não menos vetusto e venerável João Bartolas, competia na zona centro da II divisão (antes dessas paneleirices da B, A, Y ou Honra) ao lado de outros grandes emblemas de nomeada como o Recreio de Águeda, o Benfica de Castelo Branco, o Mirense ou o Marialvas. Entre esses nomes grandes do desporto nacional, um clube de bairro, de uma periferia pequenina de Leiria denominada Marrazes, competia de igual para igual com esses outros clubes, como um Davidezinho de funda contra Golias armados de brasileiros importados.

Num jogo célebre em casa onde o Marrazes (Sport Leiria e Marrazes, mais concretamente) perdia copiosamente por muitos a nasceu aquele que ficou como um dos maiores gritos de guerra da pós-modernidade. Eram tantos os golos marcados pelo adversário (tantos que a memória dos homens já diluiu) que, a poucos minutos do final da segunda parte, um dos apoiantes da equipa da casa, vindo do bar junto à bilheteira acercou-se do megafone do campo e gritou, a pleno pulmões:


"VAMOS EMBORA MARRAZES QUE AINDA HÁ ESPERANÇA"


Esse grito parou o jogo e o tempo bem como a senhora que vendia pevides e bolos de amendoim. Os jogadores da casa olharam para o adepto e, confortados pelo alento, sorriram. A assistência suspendeu a respiração, num respeito venerando daquele camarada que tentou tocar o rosto do divino com uma frase. O próprio árbitro estacou, procurando entre a multidão o autor daquele ipiranga marrazense, que nasceu daquela massa operária que vivia as agruras do trabalho calejado em fábricas de plásticos sem etiqueta.

Entretanto, e como o árbitro não interrompeu a partida, um avançado da equipa contrária desferiu um remate colocado a que o guarda-redes do Marrazes nem sequer respondeu porque também estava a olhar para a bancada.

PS: É como eu me sinto em mais uma tentativa de regresso a este panteão do livre-pensamento (com excepção do Ernesto, que tem uma filha, e do Carcaça que não tem) internacional (isto é só porque um dos gajos está em Espanha, exilado político à semelhança dos nossos emigras do Canadá). Já sobre o Tiberius e o melhor-jogador-depois-do-Maradona as piadinhas seguem mais tarde.

4 comentários:

Vostradong disse...

Muito bom, Cablogue!!!! Onde é que andavas?

Anónimo disse...

É evidente que já não dou dez seguidas como dava antigamente! Quando era novo dava mais de 50 num só dia, agora devo andar na casa das 20 ou 25 por dia, o que é bem bom para a minha idade!

Anónimo disse...

É um regresso em grande! Bem vindo sejas, Cab, esta merda estava num nível literário rastejante... Viva o Marrazes e todos os trabalhadores de fábricas de plásticos sem etiqueta.

Anónimo disse...

Very pretty design! Keep up the good work. Thanks.
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