sexta-feira, novembro 07, 2003

Alta Arte
Amor Natural



O brasileiro Carlos Drummond de Andrade foi um dos maiores poetas do modernismo em língua portuguesa. Um "monstro", comparável a Pessoa. Em Portugal, a editora Dom Quixote publicou uma "Antologia Poética" do autor mineiro. A sua extensa obra tem coisas geniais, mas gosto particularmente deste, retirado do livro "O Amor Natural", que apenas foi publicado postumamente, por exigência do próprio Drummond.


A bunda, que engraçada

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
redunda.

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