quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Gina Barreca é um nome bestial

O rasgado elogio do DJ Carcaça à Agustina Bessa Luís e a rápida resposta do Ernesto à rasgação (Resposta que entretanto foi apagada! Censura! Lápis azul! Buuuuuh!) lembraram-me deste livro, que foi editado este mês na América.

Os autores, Gene Weingarten e Gina Barreca (grande nome), conduzem um diálogo semi-socrático sobre o tema mais batido do mundo — as diferenças entre os homens e as mulheres.

Isto é um assunto mais velho que o cagar, e já foram escritos milhões de livros sobre a coisa, normalmente tratados pseudo-científicos do tipo “Men are from Mars, Women are from Venus”. Mas, como podem ver por esta amostra, o Gene e a Barreca (heh heh heh) têm uma perspectiva diferente e coisas interessantes para dizer.

Um dos argumentos do Gene e da Barreca (Barreca, que nome bestial) é que os homens e as mulheres escrevem de forma diferente. Aliás, até há um curioso programa na Internet que analisa um texto para determinar o seu grau de feminilidade (a coisa só funciona em inglês, mas experimentem na mesma que vale a pena).

Por isso, o Gene e a Barreca (Barreca, Barreca, Barreca — dava para escrever um post só repetindo o nome dela) fizeram um exercício curioso: escrever um conto a quatro mãos, para tentar perceber as diferenças entre o estilo literário masculino e feminino.

Como era violação de copyright e dava muito trabalho estar a transcrever o conto do Barreco e da Barreca, resolvi tentar eu próprio escrever um original. Como as regras do Núcleo são muito rígidas e proíbem contributos femininos (isto é tipo o clube do Bolinha), decidi invocar os espíritos da Agustina, representando a pena feminina, e de um gajo comum, vamos chamar-lhe Bessa, para o lado masculino.

Após um tortuoso e difícil processo criativo de dois minutos, este foi o resultado:

Um conto
Por Agustina & Bessa


Agustina: Eis aqui a senhora Joaquina Augusta, da casa da Vessada, a quem o seu acréscimo de propriedades e riquezas em rendosos dinheiros conferia já o título de dona. Tinha cinquenta e oito anos, mantinha-se com uma esbelteza de rapariga, se bem que um tanto corcovada e de cabeleira totalmente branca.
Bessa: E tinha um belo par de marmelos.
Agustina: Estava ela no apogeu das suas faculdades de administradora, de discernimento e de vivacidade. Sabia fruir o prazer de lisonja, sem lhe ceder os seus interesses; sabia ser cauta, sem deixar de ser audaciosa.
Bessa: Como ela era audaciosa, sobretudo depois das duas primeiras cervejas.
Agustina: Estava perfeita no seu cargo de sibila, pois conhecia a alma humana de dentro para fora, o que é talvez prever sempre nela o imprevisível, sem, porém, chegar a compreendê-la. Era uma fortaleza de prudência cuja torre de menagem era sempre a vaidade.
Bessa: Pelo contrário, Maximino Supertolas gostava de acção. Tinha acabado de regressar de safari em África onde caçara tigres, leões e girafas usando apenas os próprios dentes e um pedaço de cordel. Agora tinha os pés estendidos sobre o sofá. O controle remoto da televisão estava demasiado longe. A preguiça não lhe permitia mudar de canal, condenando-o a ver outra vez um episódio antigo do Archie Bunker no SIC Mulher.
Agustina: Era de facto um belo menino, com esses olhos interrogativos cuja inocência parece repassada de toda a sabedoria do mundo. Mas ela condoía-se muito da criança, que parecia condenada a uma semimudez, e, assim, escolheu as casas de três mulheres discretas - uma delas foi Narcisa Soqueira -, velhos marabus para quem a sua atitude era uma espécie de senha de sapiência.
Bessa: Soqueira também é um nome bestial.
Agustina: Alguns dias depois o menino começou a falar; mas a sua pronúncia nunca foi perfeita, e não chegou jamais a pronunciar o l com exactidão. Dizia «ume» e «ugar». Porém, Quina concluiu que o efeito miraculoso se produzira, e nem todos os génios encerrados por Salomão em garrafas poderiam obrigá-la a reconhecer que o rapaz era, de facto, belfo.
Bessa: Por ser belfo, levou uma merecida carga de porrada na escola no dia seguinte.

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