Pode um texto ser traduzido de várias maneiras? Pode. Eis um exemplo:
“As poucas estrelas acima de nós lançavam uma luz fraca apenas sobre o navio, sem qualquer cintilação na água, como um poço de luz separado que perfurasse uma atmosfera transformada em fuligem. Era qualquer coisa que nunca tinha visto antes; não havia qualquer sinal da direcção onde se alcançaria uma possível mudança: uma ameaça que nos comprimia de todos os lados”.
“As poucas estrelas, ao alto de nós, difundiam uma vaga claridade que se limitava ao navio, sem o menor reflexo no mar, como emanações de luz isoladas repassando uma atmosfera mudada em fuligem. Era uma coisa como eu nunca vira outras, que não apresentava o menor sinal de poder vir a evoluir, como a aproximação de uma ameaça que irrompia por todos os lados”.
O bizarro é que estas duas traduções do mesmo excerto da obra A Linha de Sombra, de Joseph Conrad, aparecem ambas no livro que o Público lançou na colecção Mil Folhas: a primeira versão surge na parte de trás da sobrecapa e a segunda nas páginas 132 e 133. Como é que isto pode ser explicado?
De qualquer maneira, parece óbvio que um dos tradutores, ou ambos, usaram de certa liberdade criativa no processo de traduzir o texto para português, uma vez que as versões são bastante diferentes entre si. Por exemplo: um usa “poço de luz” e o outro “emanações de luz”; um usa os dois pontos no final do parágrafo, o outro não. Até que ponto é que a emancipação do tradutor em relação ao texto original é legítima?
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